quarta-feira, 4 de maio de 2016




Cinco anos depois repetem-se cronologicamente  os dias e com eles uma memória precisa dos últimos cinco dias juntas. Sábado de manhã acordei ao teu lado. Dormi com a minha cabeça encostada às tuas costas. Confortava-me sentir as batidas do teu coração. Havia nelas a possibilidade do milagre que negociava com Deus. Acreditei que a minha proposta era justa. O milagre era a possibilidade que os médicos negaram nove meses antes. Nove meses, um tempo para renascer. Abateu parte de mim no dia que o médico saiu do bloco operatório e nos encolheu os ombros. Chorei até acordares da anestesia. Depois chorei até te irmos buscar no dia seguinte. Convenci-me que não te apercebeste dos nossos olhos inchados e durante nove meses recusei-me todas as conversas e olhares mentalizadores. Estavam loucos, como as velhas do “barco negro” da Amália. Nove meses depois acordei com a cabeça encostada às tuas costas. O corpo frágil, a cabeça bem mas cansada de nos ver cuidar de ti. Sábado à tarde sentei -me na mesa a pintar o presente para o dia da mãe. O desenho que me era urgente fazer, para além dos dois que estavam pendurados na parede da sala. Um dia olhei para eles e vi a representação de um em que sorrias  para o outro onde o pai estava comigo ao colo. Senti urgente em fazer um onde estivéssemos as duas. Depois da meia-noite não aguentei e dei-to “Não me deixes cair” disse-te. “Não me deixes cair tu…” desconcertaste-te com esta resposta. Sei que fiquei sem chão mas há nove meses que estava dormente e continuei na cadência dos cuidados. Domingo foi difícil, não percebi e revoltei-me da tua persistência em ir para o hospital e não deixares que cuidássemos de ti. Acreditei que seria por uns dias e em breve pedias para voltar a casa. Segunda e terça quebrei a rotina desses tempos e estive contigo todo o dia ao limite da generosidade das enfermeiras que segredavam ao segurança para me deixar ficar. Já havia acontecido antes. Segredavam isso e mais qualquer coisa. Estavam loucas. Já havia acontecido antes. Quarta de manhã mudou para sempre a minha realidade. Transformou-a nesta ausência de ti. Numa dor que vive dentro, vagueia por aqui sem um padrão para se manifestar. Nunca me esqueço de ti mas às vezes não me lembro que fiquei sem ti e por milésimos de segundos tenho qualquer coisa para te contar. Partilho depois no imediato, nem sempre confortável nesta forma de comunicar contigo mas sempre crente que a tua energia paira algures num sitio onde estás em paz e que nos mantemos contectadas no amor em que me criaste. Mãe, minha amiga.

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