Cinco anos depois repetem-se
cronologicamente os dias e com eles uma memória precisa dos últimos
cinco dias juntas. Sábado de manhã acordei ao teu lado. Dormi com a minha
cabeça encostada às tuas costas. Confortava-me sentir as batidas do teu
coração. Havia nelas a possibilidade do milagre que negociava com Deus. Acreditei
que a minha proposta era justa. O milagre era a possibilidade que os médicos negaram
nove meses antes. Nove meses, um tempo para renascer. Abateu parte de mim no
dia que o médico saiu do bloco operatório e nos encolheu os ombros. Chorei até
acordares da anestesia. Depois chorei até te irmos buscar no dia seguinte.
Convenci-me que não te apercebeste dos nossos olhos inchados e durante nove
meses recusei-me todas as conversas e olhares mentalizadores. Estavam loucos,
como as velhas do “barco negro” da
Amália. Nove meses depois acordei com a cabeça encostada às tuas costas. O corpo
frágil, a cabeça bem mas cansada de nos ver cuidar de ti. Sábado à tarde sentei
-me na mesa a pintar o presente para o dia da mãe. O desenho que me era urgente
fazer, para além dos dois que estavam pendurados na parede da sala. Um dia olhei para eles e vi a representação
de um em que sorrias para o outro onde o pai estava comigo ao colo. Senti urgente
em fazer um onde estivéssemos as duas. Depois da meia-noite não aguentei e dei-to “Não me deixes cair” disse-te.
“Não me deixes cair tu…” desconcertaste-te com esta resposta. Sei que fiquei
sem chão mas há nove meses que estava dormente e continuei na cadência dos
cuidados. Domingo foi difícil, não percebi e revoltei-me da tua persistência em
ir para o hospital e não deixares que cuidássemos de ti. Acreditei que seria
por uns dias e em breve pedias para voltar a casa. Segunda e terça quebrei a
rotina desses tempos e estive contigo todo o dia ao limite da generosidade das
enfermeiras que segredavam ao segurança para me deixar ficar. Já havia
acontecido antes. Segredavam isso e mais qualquer coisa. Estavam loucas. Já havia acontecido antes. Quarta de manhã mudou
para sempre a minha realidade. Transformou-a nesta ausência de ti. Numa dor que
vive dentro, vagueia por aqui sem um padrão para se manifestar. Nunca me esqueço
de ti mas às vezes não me lembro que fiquei sem ti e por milésimos de segundos
tenho qualquer coisa para te contar. Partilho depois no imediato, nem sempre
confortável nesta forma de comunicar contigo mas sempre crente que a tua
energia paira algures num sitio onde estás em paz e que nos mantemos
contectadas no amor em que me criaste. Mãe, minha amiga.
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